Nhem-nhem ô xorodô
Nhem-nhem-nhem
Nhem-nhem ô xorodô
É o mar, é o mar
Fé-fé xorodô *
Na mão direita tinha
O seu espelho onde vivia
A se mirar...
Quanto nome tem a Rainha do Mar?
Dandalunda, Janaína,
Marabô, Princesa de Aiocá,
Inaê, Sereia, Mucunã,
Maria, Dona Iemanjá.
Onde ela vive?
Onde ela mora?
Nas águas,
Na loca de pedra,
Num palácio encantado,
No fundo do mar.
O que ela gosta?
O que ela adora?
Perfume,
Flor, espelho e pente
Toda sorte de presente
Pra ela se enfeitar.
Alodê, Odofiaba,
Minha-mãe, Mãe-d'água,
Odoyá!
Qual é seu dia,
Nossa Senhora?
É dia dois de fevereiro
Quando na beira da praia
Eu vou me abençoar.
O que ela canta?
Por que ela chora?
Só canta cantiga bonita
Chora quando fica aflita
Se você chorar.
Quem é que já viu a Rainha do Mar?
Pescador e marinheiro
que escuta a sereia cantar
é com o povo que é praiero
que dona Iemanjá quer se casar...
Toquinho e Vinicius de Moraes
Pedro Amorim e Paulo César Pinheiro
"Quem desce do morro,
não morre no asfalto
Lá vem o Brasil descendo a ladeira"...
(acompanhado da turma dos Novos Baianos nos idos de 70)
vendo uma linda mulata descer o morro, exclamou:
- "Olha lá o Brasil descendo a ladeira!"
pegou a Poética e criou um dos seus maiores sucessos:
"Lá vem o Brasil descendo a ladeira..."
Lá vem o Brasil descendo a ladeira
na bola, no samba, na sola do salto,
Lá vem o Brasil descendo a ladeira
na sua escola é a passista primeira,
Lá vem o Brasil descendo a ladeira
no equilíbrio da lata não é brincadeira,
Lá vem o Brasil descendo a ladeira
e toda cidade que andava quieta,
naquela madrugada acordou mais cedo
arriscando um verso gritou o Poeta,
respondeu o povo num samba sem medo
enquanto a mulata em pleno movimento,
com tanta cadência descia a ladeira
a todos mostrava naquele momento
a força que tem a mulher brasileira...
Eia ! Vera Cruz
Ancorem ao cais
...“de terra chã”
Ó Monte Pascoal !
Quanto à palmeira
Tem sabiá
Ibi Airy
Camb camuá
Abá baquara
Kaá guariní
Em meio à mares
A Terra Tupi
“Entranhas das águas”
Da Taba ó Tupã
Eis Juca-Pirama
À Tribo anciã
Ecocatu
Etama miatã
Catupi embiara
Emdijaba oyrã
Não fosse essa terra
Por lusos, tomada
Seria dos “primores”
De um dia ditada...
Roni Reis
Ou na ribeira daquele
Passam meus dias a fio
Nada me impede, me impele
Me dá calor ou dá frio
Vou vendo o que o rio faz
Quando o rio não faz nada
Vejo os rastros que ele traz
Numa seqüência arrastada
Do que ficou para trás
Vou vendo e vou meditando
Não bem no rio que passa
Mas só no que estou pensando
Porque o bem dele é que faça
Eu não ver que vai passando
Vou na ribeira do rio
Que está aqui ou ali
E do seu curso me fio
Porque se o vi ou não vi
Ele passa e eu confio
Ele passa e eu confio...
Fernando Pessoa
Ó sino da minha aldeia,
Dolente na tarde calma,
Cada tua badalada
Soa dentro da minha alma.
E é tão lento o teu soar,
Tão como triste da vida,
Que já a primeira pancada
Tem o som de repetida.
Por mais que me tanjas perto
Quando passo, sempre errante,
És para mim como um sonho,
Soas-me na alma distante.
A cada pancada tua,
Vibrante no céu aberto,
Sinto mais longe o passado,
Sinto a saudade mais perto.
Fernando Pessoa
365 igrejas, a Bahia tem
Numa eu me batizei
Na segunda eu me crismei
Na terceira eu vou casar
Com uma mulher que eu quero bem
Se depois que eu me casar
Me nascer um bacuri
Vou me embora pra Bahia, vou
Vou batizar no Bonfim
Mas se for me parecendo
Que os meninos vão nascendo
Por cada uma igreja que tem lá
Sou obrigado a comprar
Minha passagem pra voltar pra cá, não é....
365 Igrejas
Dorival Caymmi
Maluphakanyslw'uphondo iwayo
Tava durumindo, tambor me chamou
N'kosi sikelela thina lusapho iwayo *
Sansa Kroma
Nena yo kye kye kokomba
Sansa kroma nena yo...
"Tava durumindo cangoma me chamou"
"Tava durumindo cangoma me chamou"
Disse levanta povo cativeiro já acabou **
Sansa Kroma
Nena yo kye kye kokomba
Sansa kroma
Nena yo... Kokomba
* Trecho do Hino Nacional da África do Sul
** Tambores de Mina (Cangoma)
Domínio Público
E quem dera se o "público" tivesse, de fato, o domínio...
Catar Feijão
Recolher cada bago do trigo
Forjar no trigo o milagre do pão
E se fartar de pão
Decepar a cana
Recolher a garapa da cana
Roubar da cana a doçura do mel
Se lambuzar de mel
Afagar a terra
Conhecer os desejos da terra
Cio da terra, a propícia estação
E fecundar o chão...
(Chico Buarque e Milton Nascimento)
Na terra onde tudo dá
Chuva veio de repente
Carregou levou pro mar
Quando as águas foram embora
Plantei sonhos no chão
Mas demora minha gente
Ter na horta um verde puro
Ou dar fruto bem maduro
Um pomar...
Meu adubo foi amor
Esperança o regador
Bem na hora da colheita
Lá se vai a ilusão
Foi geada e a seca
Me queimando a floração
(...)
Esse ano com certeza
Desengano vai ter fim
Natureza tem seus planos
Mas não sabe ser ruim
Tão seguro quanto o ar
Ser mais quente no verão
Da semente sai futuro
Nem que seja temporão...
Semente
(Almir Sater e Paulo Simões)
Trabalha, trabalha, nêgo
Nêgo tá moiado de suó
Trabalha, trabalha, nêgo
Trabalha, trabalha, nêgo
As mãos do nêgo tá que é calo só
Trabalha, trabalha, nêgo
Trabalha, trabalha, nêgo
Ai “meu Sinhô” nêgo tá véio
Não agüenta esta terra tão dura,
tão seca, poeirenta...
Trabalha, trabalha, nêgo
Trabalha, trabalha, nêgo
Nêgo pede licença prá pará
Trabalha, trabalha, nêgo
Trabalha, trabalha, nêgo
Nêgo não pode mais trabaiá
Quando o nêgo chegou por aqui
Era mais vivo e ligeiro que o saci
Varava estes rios, estas matas, estes campos sem fim
Nêgo era moço, e a vida, um brinquedo prá mim
Mas esse tempo passou
E essa terra secou...ô ô
A velhice chegou e o brinquedo quebrou...
Sinhô, nêgo véio tem pena de têr-se acabado
Sinhô, nêgo véio carrega este corpo cansado...
Terra Seca
(Ary Barroso)
Da janela lateral do quarto de dormir
Vejo uma igreja, um sinal de glória
Vejo um muro branco e um vôo, pássaro
Vejo uma grade, um velho sinal
Mensageiro natural de coisas naturais
Quando eu falava dessas cores mórbidas
Quando eu falava desses homens sórdidos
Quando eu falava desse temporal
(...)
Cavaleiro marginal banhado em ribeirão
Conhecia as torres e os cemitérios
Conhecia os homens e os seus velórios
Quando olhava da janela lateral
Do quarto de dormir...
Fagulhas
Pontas de agulhas
Brilham estrelas
De São João...
Babados
Xotes e xaxados
Segura as pontas
Meu coração...
Bombas na guerra-magia
Ninguém matava
Ninguém morria...
Nas trincheiras
Da alegria
O que explodia
Era o amor...
Ardia aquela fogueira
Que me esquentava
A vida inteira
Eterna noite
Sempre a primeira
Festa do Interior...
Festa do Interior
(Moraes Moreira e Abel Silva)
“O sertão é o terreno da eternidade, da solidão”.
“Tinha medo não. Tinha cansaço de esperança.”
...“envelhece o vento”, “a saudade me alembra”.
"Comigo, as coisas não têm hoje e ant’ontem nem amanhã: é sempre”.
“Sei o grande sertão?
Sertão: quem sabe dele é urubu, gavião, gaivota, esses pássaros: estão sempre no alto, apalpando ares com pendurado pé, com o olhar remedindo a alegria e as misérias todas...”
“O sertão é do tamanho do mundo...
...é onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o poder do lugar”.
“Sertão é sozinho
Sertão é cada um
Sertão é dentro da gente”.
“A gente tem de sair do sertão!
Mas só se sai do sertão é tomando conta dele a dentro...”
“...o sertão é uma espera enorme...”...
Grande Sertão Veredas
(Guimarães Rosa)
Quanta angústia encontro eu cá
Minha casa tem três cômodos
Esse moleque onde é que anda
Por que não volta já pra casa
Gonçalves Dias
Jesus sangrando na cruz
Meu pai sangrando na vida
Jesus, abençoa teus filhos
Meu pai, cuida-te a ferida
Santa Ceia pregada à parede
À mesa, uma janta modesta
Temos fome e temos sede
Por isso minh’alma contesta:
Jesus, desça-te da cruz
Acabe já com essa Festa!
Não se detenham:
"A novidade
que tem no Brejo da Cruz
é a criançada se alimentar de luz
Alucinados, meninos ficando azuis
e desencarnando lá no Brejo da Cruz
Eletrizados cruzam os céus do Brasil
Na rodoviária assumem formas mil...
Uns vendem fumo
têm uns que viram Jesus
muito sanfoneiro cego tocando blues
uns têm saudade e dançam maracatus
uns atiram pedras, outros passeiam nus
mas há milhões desses seres
que se disfarçam tão bem
e ninguém pergunta de onde essa gente vem...
São jardineiros, guardas-noturno, casais
são passageiros, bombeiros e babás
já nem se lembram que existe um Brejo da cruz
que eram crianças e que comiam luz...
São faxineiros, balançam nas construções
são bilheteiras, baleiros e garçons
já nem se lembram que existe um Brejo da Cruz
que eram crianças e que comiam luz...
Brejo da Cruz
(Chico Buarque)
"Eu vi o cego lendo a corda da viola
Cego com cego no duelo do sertão
Eu vi o cego dando nó cego na cobra
Vi cego preso na gaiola da visão
Pássaro preto voando pra muito longe
E a cabra cega enxergando a escuridão
Eu vi a lua na cacunda do cometa
Vi a zabumba e o fole a zabumbá
Eu vi o raio quando o céu todo corisca
E o triângulo engulindo faiscá
Vi a galáctea branca na galáctea preta
Eu vi o dia e a noite se encontrá
Eu vi o pai eu vi a mãe eu vi a filha
Vi a novilha que é filha da novilhá
Eu li a réplica da réplica da bíblia
Na invenção dum cantador de ciençá
Vi o cordeiro de deus num ovo vazio
Fiquei com frio te pedi pra me esquentá...
Eu vi a luz da luz do preto dos seus olhos
Quando o sertão num mar de flor esfloresceu
Sol parabelo parabelo sobre a terra
Gente só morre para provar que viveu
Eu vi o não eu vi a bala matadeira
Eu vi o cão fui nos óio e era eu..."
de Tom Zé e Zé Miguel Wisnik
— O meu nome é Severino,
como não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.
Mas isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria.
Como então dizer quem falo
ora a Vossas Senhorias?
Vejamos: é o Severino
da Maria do Zacarias,
lá da serra da Costela,
limites da Paraíba.
Mas isso ainda diz pouco:
se ao menos mais cinco havia
com nome de Severino
filhos de tantas Marias
mulheres de outros tantos,
já finados, Zacarias,
vivendo na mesma serra
magra e ossuda em que eu vivia.
Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas
e iguais também porque o sangue,
que usamos tem pouca tinta.
E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida)...
Trecho de "Morte e Vida Severina" de
João Cabral de Melo Neto
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
— Em que espelho ficou perdida
a minha face?
Retrato
(Cecília Meireles)